quarta-feira, 26 de março de 2014

Rivaldo

Aposentou-se um dos melhores jogadores brasileiros dos últimos vinte anos. Rivaldo está com 41, provavelmente não tem problemas financeiros, e se eu tivesse feito dez por cento do que ele fez já estava aposentado há muito mais tempo. Rivaldo é um dos jogadores menos carismáticos que já ganharam finais de Copa ou foram eleitos o melhor do mundo. Ele é aquele cara caladão, arredio, que não gosta de muito gracejo nem de muita conversa fiada. Meio sertanejo nesse modo que parece carrancudo mas na verdade é só cauteloso, principalmente num meio em que os jogadores são obrigados a agir como garotos-propaganda de si mesmos, do time, da seleção, de um monte de produtos que os financiam. Rivaldo deve ter feito lá seus comerciais; todo mundo fez; mas não é propriamente aquele cara que um empresário perca o sono querendo associar a ele a sua marca.

Diz-se que Rivaldo não gostava de pagode, não bebia, não era de muita conversa, embora fosse correto e atencioso com os colegas. Jogadores assim se impõem quando há respeito técnico (em geral, quando um cara é craque todo mundo percebe) e um equilíbrio de convivências. Jogador extrovertido e risonho vai pro Cazaquistão sem falar nem inglês e se dá bem, fica amigo de todo mundo. Já o carrancudo cria clima até na casa onde mora.

O futebol de Rivaldo tinha aqueles passes de cinquenta metros de Zezinho Ibiapino, de Gérson, de Falcão, uma matada de bola perfeita, um chute seco da entrada da área que ele botava onde queria. Ficou meio marcado na Seleção por algumas derrotas, ainda na fase olímpica, mas o que ganhou depois apagou tudo.

Muitos jornalistas concordam que o maior jogador da Copa de 2002 não foi o craque oficial (Oliver Kahn) nem o artilheiro (Ronaldo), e sim o nosso macambúzio armador, que fez com frieza e talento alguns gols decisivos e facilitou gols alheios. Na final contra a Alemanha, machucado, teve parceria nos dois gols de Ronaldo. O que fez no Barcelona está preservado em DVDs e YouTubes. Gosto de lembrar uma vitória por 3x2 no Nou Camp cheio, com três gols dele, o último no último minuto, de bicicleta. O mundo veio abaixo. Pensam que aquele barulho começou com Messi?

Rivaldo é como aqueles cantadores velhos que, quando o vento do mundo ficou mais frio, não fazem festa nem fazem despedida. Sabem que o momento torrencial já passou e que não precisam se espremer até a última gota. Quando sentem que não estão mais à altura da grande arte, quando sentem que a arte deles já está indo embora e eles ficando para trás, não avisam a ninguém, não querem homenagem, não querem incomodar ninguém. Quando chega o ano que vem, eles simplesmente não viajam mais.
 
Bráulio Tavares

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