Eu digo uma coisa e você entende outra. Você responde isso e eu escuto aquilo. Começa
a briga. Lá vem fogo cruzado de palavras. Quem manda mais, quem atira
melhor? Nós nos baleamos, nos derrubamos, nos aniquilamos. Com um pouco
de sorte, acaba a briga com apenas algumas feridas. Outras vezes, muitas
vezes, os golpes são profundos demais. Não dá para estancar o
sangramento. Morre o amor. Simples assim.
Isso acontece o tempo todo, em pequena e grande escala. Dentro das
casas, em família, com amigos, colegas de trabalho, parceiros de
projetos, conhecidos e desconhecidos, com conterrâneos, com pessoas que
aparentemente são da mesma cultura e falam a mesma língua. Imagina então
com os outros, os estrangeiros, esquisitos, diferentes, aqueles que têm
outros costumes, religiões, filosofias, palavras com sons bizarros?
Brigas que escalam em guerras. Guerras que viram massacres. Massacres
que se transformam em holocaustos.
E o pior é que não dá para
evitar. Não se continuarmos falando do nosso jeito, da forma como
aprendemos em casa, na escola, em nosso mundinho limitado, pois ele
sempre será limitado, comparado com o mundo lá fora. Aceitemos: o mundo
do outro é outro mundo. Diferente do meu. Para me relacionar, se eu
quiser me relacionar, desejar me comunicar, e realmente trocar, tenho
que começar pelo início. A minha mesa, a mesa na qual penso quando penso
em mesa, não é a mesma mesa na qual a pessoa à minha frente está
pensando. Quando falamos de assuntos mais complexos, aí então a coisa
pega pra valer. Nós nos encontramos e tentamos fazer algo juntos. De
repente, estamos falando de respeito ou desrespeito, de tolerância ou
intolerância, de amor ou ódio, de amizade ou traição. Nada disso tem nem
pode ter o mesmo significado para duas pessoas que nasceram em
horários, lugares, famílias, corpos, vidas completamente diferentes.
Cada palavra vem com o peso de toda a vida que a pessoa viveu. Para
algumas pessoas, a palavra “mundo” lembra um lugar terrível e
assustador, para outras é sinônimo de vastidão e um futuro promissor.
Como, então, é possível se relacionar? A verdade é que quase ninguém se
relaciona de verdade. Nós projetamos aquilo que definimos lá atrás, sem
saber que definimos, aquilo que imaginamos ser amor ou amizade. Logo, o
príncipe vira sapo e o amigo vira monstro. Começa o drama. Sinto-me
profundamente magoada com sua linguagem agressiva, não suporto gritos ou
palavrões. Você cresceu rodeado de berros, aprendeu que só quem grita
mais alto e fala de forma mais dura merece ser ouvido. Nós dois nos
sentimos desrespeitados. Ou então... Você me diz que eu não te dou
atenção. Eu acho que te dei tudo que tenho para dar. E assim por diante.
Sem início, sem fim. Microcosmo, macrocosmo.
Será que há alguma
saída? Não sei. Talvez se pararmos um pouco antes de falar. Talvez se
nos permitirmos respirar e olhar. Talvez. Reformular as palavras.
Ressignificar universos. Não descansar até enxergar. O ilimitado. O
desconhecido. Tocar o intangível. Criar novos idiomas, mais orgânicos,
nos quais palavras não são regras, apenas caminhos desembocando em
outros caminhos. Não importa tanto o que dissemos, contanto que
voltemos. Contanto que agora estejamos aqui. Eu e você. Com suavidade.
Olhando nos olhos. Observando. De onde você veio, de onde eu vim. O que
eu senti, o que você sentiu. De onde vem a energia, onde brotou a
agonia? E aí experimentar. Buscar juntos pela saída das ruas sem saída
do sentir. Chorar e rir. Não se prender aos sons. Vomitados ou
sussurrados. Sons cortantes ou delicados. São apenas sons. Não temer os
silêncios. Mergulhar neles. Não desistir até que coração comece a vibrar
com coração. Ou não. Às vezes respeito é ficar, outras vezes respeito é
partir. Mas para se comunicar tem que amar. Não dá para ser quem fomos
antes. Quando falar é uma forma de calar e calar é uma forma de falar. A
dança da mudança. Viajar para outro lugar. Além do que pensamos. Além
do que sabemos. Além.
Photo by Anna Mcnaught
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